Galeria Gare – Imaginarium – Exibição Individual – Maio 2024, Sao Paulo.
Imaginarium
Não seria impreciso perceber que o principal atributo de Imaginarium, de Cynthia Pimentel, é o maravilhamento. Com uma produção que leva o (antigo) espectador a uma imersão que não é privilégio conferido a muitos, torna-se difícil dizer para onde o olhar se dirige com mais fascínio e surpresa. O antigo casarão e hoje escola de artes e espaço experimental da Gare, no Paraíso, é compartimentado por secções, volumes e superfícies pictóricas de grande apelo e escala, fazendo com que, por exemplo, o vermelho em Explosion (2024) e Começo (2023) não sejam destaques isolados. Há também, para analisarmos espaços contíguos, o amarelo e o laranja solares de Energia (2023), o azul mais claro de Transparência (2023) e o azul mais plúmbeo de Noturno (2024), que tanto apresentam um espírito premonitório de algo que está na chave do enigma como atestam que não vivemos apenas sob luzes e shots ininterruptos de alegria.
Outro dos trunfos do fazer persistente de Pimentel é a base construída para receber pinceladas, gestos, camadas e materialidades. O linho absorve e devolve à constituição dos trabalhos algo mais que uma superfície algo alisada.
Nesse jogo entre apropriação/exibição, a acrílica, de utilização mais rápida que o óleo, perde então tal urgência e se lança a um novo emprego matérico, ganhando densidade e, ao mesmo tempo, mantendo certo frescor. E, apesar da utilização desse especial material, a tela comum segue encantando pelos resultados plástico-visuais atingidos pela artista carioca. Isso talvez esteja mais claro nas peças dispostas em espaços mais intimistas da Gare, como Intense Red (2023) e Intense Blue (2023).
Com o domínio no universo da abstração, talvez a leitura da obra de Pimentel pudesse caber apenas nos escaninhos que poderiam tanger lemas como a arte pela arte ou a busca da pureza. Isso cai por terra quando a artista sugere, a partir de títulos, que o mundo que a cerca, a natureza e as vivências cotidianas são indissociáveis do fazer de um profissional do meio. Nesse sentido, Aurora Boreal (2024) sintetiza a investigação citada. Fenômeno inesquecível para quem o vislumbra e longe de ser corriqueiro, essa condição climática é vertida para o mundo atual da visualidade em relações e desdobramentos polissêmicos num produto de 1,60 m x 1,70 m, em tons violetas, azuis e acinzentados, que cruzam elementos do mistério e de uma natureza tão ameaçadora (em tempos de aquecimento climático e outras hecatombes muito concretas) e, concomitantemente, sedutora por seus elementos tão únicos.
mais / more